31.5.08
As Portas da Percepção
"Mas o homem que vem de cruzar de novo a Porta da Muralha jamais será igual ao que partira para essa viagem. Será, por diante, mais sábio, embora menos arraigado em suas convicções, mais feliz, ainda que menos satisfeito consigo mesmo, mais humilde em concordar com sua própria ignorância, embora esteja em melhores condições para compreender a afinidade entre as palavras e as coisas, entre o raciocínio sistemático e o insondável mistério que ele procura, sempre em vão, compreender." Aldous Huxley
29.5.08
e eu continuo escrevendo porque falar no vazio é inócuo. o vácuo esconde as palavras que eu falo e isso é bom. uma palavra dita quase sempre carrega consigo alguma sujeira do ego, o senhor da mágoa e do orgulho. as lembranças são muitas, são belas e estão todas vivas. elas flutuarão para sempre em minha superfície e eu as aprecio assim, boiando. a maré está me levando para a margem, agora, e quase não flutuo. sou como um barco encalhando na areia rasa. ergo-me e a água fria me deixa aos poucos, pele abaixo. sinto agora o vento e o calor do sol. agora sou um pouco água, um pouco vento, um pouco sol.
28.5.08
Olhos
Esses olhos! Eu somente vira olhos assim no cinema. Quando os olho é como ver um barco a remos sumindo na neblina de um lago com águas imóveis. Eles trazem algo de muito longe, algo que não sei descrever. E levam de mim alguma coisa que também não sei o que é. Posso apenas sentir o movimento, como o do barco a remos que desaparece na névoa. Há algo de ausência no olhar desses olhos. Algo que me pertence e que não posso tocar. E assim toco o resto todo, mergulho na densidade do olhar, sem jamais alcançar o fundo. Vivo em busca do que esses olhos infinitos prometem.
26.5.08
O dia que não acabou
Quando abriu os olhos sua boca estava fechada, as mãos e a mente abrindo-se, lentamente despertando na consciência de mais um dia maravilhoso de vida. Nesta manhã não recordara sonho algum. Gostava de despertar no meio de um sonho, pois isso sempre lhe inspirava os pensamentos do dia, criava alvos, motivos. Quando não acontecia assim, ficava ansioso para sonhar acordado. Olhou preguiçosamente para o criado mudo que prontamente mostrou-lhe, em silêncio – obviamente, que eram 8 horas da manhã. Se todos os criados da casa fossem discretos como aquele, seria muito chato passar os dias ali, pensou – e esse foi o primeiro e estranho pensamento que teve desperto. A claridade, portanto, já havia expulsado a noite há mais de duas horas, calculou, na seqüência do segundo pensamento. Ele previa que este seria um dia especial e suas ações deveriam ser cuidadosas. Já estava antevendo o momento em que, lá pelo meio da tarde, estaria enfrentando algum novo desafio, alguma prova, mais um teste aos seus sentidos e a sua capacidade de autocontrolar-se. Hoje, a coisa assumiria dimensões incomparáveis a todas as situações semelhantes que já havia enfrentado anteriormente. Subitamente sua mente cumpriu o ciclo do devaneio e saltou abruptamente para frente, até o momento presente, tão distante do despertar que nem parecia pertencer ao mesmo dia. Estava pendurado pela perna esquerda, de cabeça para baixo e olhando o trânsito se resolvendo aos poucos, com a dificuldade de sempre, vinte andares abaixo de seus olhos arregalados. Balançava e queria gritar, mas alguma coisa impedia – e isso o agoniava ainda mais. Queria pedir ajuda, chamar as pessoas lá em baixo, mas as palavras não saíam. Sabia que seria difícil, mas jamais imaginara correr o risco de agora. Nada do que estava acontecendo se encaixava no que esperara, e tampouco nas alternativas presumíveis que considerara. O ruído absurdo lá em baixo assumia uma proporção assustadora e o seu silêncio era vítima indefesa do barulho do mundo. Ele precisava ordenar os pensamentos e encontrar uma solução antes que o sol desaparecesse no horizonte. Podia ver a lua cheia no céu azul, balançando atrás de sua perna, como um pêndulo marcando a passagem dos segundos preciosos. Fechou os olhos e viu a imagem dela – a criatura responsável por toda esta loucura. Onde estaria, agora? Quanto tempo passaria até que percebesse o que realmente deveria fazer para catalisar toda essa convergência e tensão? Mas ele era confiante e começou a se acalmar, apesar do tempo que escoava de maneira inexorável. Mais cedo – ou antes: tarde, do que nunca – as peças se encaixariam, mesmo que temporariamente, e a solução duraria para sempre, em seu intervalo de existência. Colocado assim parece complicado mas é tudo muito simples. Acontece e pronto: uma perturbação fugaz e cheia de energia na realidade para, logo em seguida, tudo “voltar ao normal”, naturalmente. Assim é a vida, alternando tempestades e calmarias. Abriu os olhos, fechou a boca impotente e respirou lentamente o ar morno que subia do concreto. Desligou-se do problema e começou a construir devagar um novo caminho possível. Mergulhou tão fundo em seus pensamentos que demorou a perceber as formas e os movimentos suaves na sua frente. Ela estava ali, permitindo espaços e volumes generosos, frestas, atalhos, um clarão de promessa no vão escuro, dia e noite ao mesmo tempo, olhares e vontades... Olhou para ela e percebeu que estava no lugar certo, no momento certo, na cadeira e posição exatas. A única coisa que continuava balançando era o seu pensamento, e ainda faltava muito para o sol se por.
(Vitória/Rio, novembro de 2004)
(Vitória/Rio, novembro de 2004)
23.5.08
água fria. lembrei que tinha lido umas coisas do marx, mas fazia tempo. lembrei disso enquanto boiava olhando o céu azul cortado em dois por um rastro branco de pessoas voadoras. na praia os pescadores entravam num barquinho. boiar é bom quando não tem ondas. deveria ter dito alguma coisa sobre a liberdade e a escolha, esse tal de lívre-arbítrio que realmente faz as coisas acontecerem, que é a reação à diferença entre as potencias. pensei nisso. um pensamento passageiro, apenas. tanto faz, agora. pensamento passageiro, como as pessoas voadoras. talvez ainda fale sobre essas coisas, ontem. hoje não dá mais tempo. agora o rastro está se desfazendo. algodão. é a única nuvem no céu azul. os pescadores estão longe, já. eu bóio. sou flutuante.
amanhã assisti o talvez novo ministro do meio- falando sobre o -ambiente. ele tem cabelos compridos e grisalhos. gostei da sua roupa. televisão. vai substituir a marina, parece. ele deve ser um porto natural, uma enseada protegida, esse homem com nome de animal. os pescadores irão atracar seus barcos nele, com certeza. o céu está manchado de branco. tem ventos fortes lá em cima. eu continuo boiando.
estou escrevendo, agora. mesmo flutuante, eu escrevo. aqui é cristalino. eu falo também, agora, mas é como se fosse no vácuo. alguém ouviu o que eu disse, agora? é o vácuo. ele suprime o som. minhas palavras escritas não desaparecem no vazio. e elas bóiam. elas são mais densas que o líquido. eu sou mais denso, também. o céu absorveu o branco com seu azul potente. o sol queimando hidrogênio. não sinto seu calor a não ser nos olhos. a água é fria mas não sinto frio. não dá tempo.
17.5.08
passa tempos
neste instante eu torno real
tua mão abrindo o presente que não dei
teus olhos lendo o poema que não escrevi
teu coração sentindo o amor que não amei
nesta hora eu crio a realidade
teus ouvidos acolhendo sem dúvidas
as palavras delicadas que nunca direi
o beijo no corpo da alma que jamais beijei
depois do agora eu mergulho em meu oceano
estendo a palma ao sol
acalmo minha sede no vinho
e descanso na beira do caminho
e tu vês estrelas e luas
nos céus das noites vazias
escutas sussurros e risos
enquanto desperto nos meus dias
somente hoje eu te invento assim
por pura inspiração e vontade
neste momento és parte da verdade
e depois te dou um fim
tua mão abrindo o presente que não dei
teus olhos lendo o poema que não escrevi
teu coração sentindo o amor que não amei
nesta hora eu crio a realidade
teus ouvidos acolhendo sem dúvidas
as palavras delicadas que nunca direi
o beijo no corpo da alma que jamais beijei
depois do agora eu mergulho em meu oceano
estendo a palma ao sol
acalmo minha sede no vinho
e descanso na beira do caminho
e tu vês estrelas e luas
nos céus das noites vazias
escutas sussurros e risos
enquanto desperto nos meus dias
somente hoje eu te invento assim
por pura inspiração e vontade
neste momento és parte da verdade
e depois te dou um fim
10.5.08
A outra Clara
Ela se entregava à vida como uma gata se entrega ao sol, inebriada pelo calor e sem recear os predadores que a espreitavam das sombras frias ao seu redor. Ela sequer sabia o que era um predador e se deitava assim, lânguida e vagarosamente, sem medo de nada e aguardando pelos prazeres que, imaginava, o mundo tinha a obrigação de lhe trazer. Sob a luz, seus movimentos construíam posições e imagens provocantes, com suas alvas partes explicitamente expostas. Ela era perturbadora e atraente em sua mistura de sensualidade e inocência.
Clara era uma obra de arte cambiante, como se suas formas abrigassem um conteúdo raro e misterioso que complementava perfeitamente o prazer quase proibido que seu corpo prometia. Seu jeito tinha feitiço e eu me perdia nos detalhes de minhas vontades: retirar vagarosamente seus sapatos e as meias, descruzar suas longelíneas pernas, me embriagar em suas carícias, e assim por diante...
Clara queria quebrar as regras e revolucionar sua vida, mas ela própria se aprisionava: só tinha silêncios e poucos sorrisos. Só tinha redemoinhos de pensamentos em torno de si mesma e poucos momentos de águas serenas em sua mente agitada. Só tinha amigos incertos e nenhuma amizade verdadeira. Só tinha meus olhos capazes de tocar no fundo de sua alma, e nenhuma outra alma capaz de receber os seus olhares. Só tinha fantasias e nenhum sonho. Tentava ser o que o mundo não lhe permitia ser - e isso a deixava triste e solitária. Vivia somente no passado e no futuro, sem perceber que tudo acontecia no presente. Ela se deitava na cama e esperava a chegada de um príncipe encantado, que nunca chegava. Clara, no fundo, não sabia o que buscava e se conformava no inconformismo. E eu, ali, sempre por perto, registrando a magia de seus momentos, sem poder fazer parte deles.
Agora Clara está chegando à idade adulta e como não sabe, ainda, desviar-se, a primeira bofetada atinge-lhe em cheio o rosto liso e sem manchas, como uma chicotada vinda do nada estalando a realidade da dor de viver em sua face limpa. Uma pancada seca que se espalha numa ardência crescente e termina por escorrer em lágrimas para seu colo trêmulo. E eu não estou por perto para alcançar-lhe um lenço e confortá-la com meu abraço. Eu suspiro de impotência, enquanto as lágrimas regam sua alma.
Mas a vida é assim mesmo e ela apenas está pagando o preço para aprender a desviar-se, como todo o mundo. Daí para frente ela se entregará de uma forma diferente, com mais leveza, mais sorrisos e mais palavras. Clara se abrirá completamente para a vida e descobrirá a diferença entre a realidade e a ilusão, entre o possível e o inalcançável. Ela saberá, então, que seu futuro será construído somente com a sucessão de seus presentes, um após o outro, e que sua vontade tem mais poder do que as regras que ela mesma escreve. Ele se libertará de tudo que a limitava até agora e será feliz.
Daquele tempo restará apenas uma fotografia na parede dos meus sonhos, que poucas vezes lembrarei de olhar. Clara chegou, como eu sempre soube que chegaria, e eu parti.
fotografia: blog daytrippergirl
8.5.08
Coisa linda!
Conheço uma mulher que acha lindo estar menstruada e essa é uma das coisas mais belas que já vi.
6.5.08
sonho
estranho caminho que sigo sem pensar
seguindo uma luz
lá longe
no horizonte do meu sonho
talvez de um farol
quem sabe
de minha estrela guia
ou
quem dera
do anjo que me conduz
ao despertar da minha fantasia
talvez eu possa te alcançar
luz infinita
e dormir em teu brilho cálido
sem precisar sonhar em te seguir
quem dera possa assim descobrir
ao abrir meus olhos
um outro mundo real
onde eu acorde em mim
sem precisar despertar de ti
2.5.08
Assinar:
Comentários (Atom)

