5.5.10

sem título

eu quero que tenhas o tempo
preta
para comigo divagar
quase pairar
e anestesiar tudo que estiver do lado de fora

22.8.09

é um dia sem terra, hidropônico, com as raízes flutuando na líquida mistura nutritiva da vida.
ô, coisa estranha, este dia sem terra.
não teve amanhecer e nem terá anoitecer.
como eu, autofágico, hoje, sem vontade, engulo minhas palavras .

22.10.08

desescrever é a omissão do olhar: luz sem tradução. cara de chão. algumas coisas são pedaços, outras, apenas sonho de um regaço aconchegante. como se fosse quase uma perfeita rima. cabeça para cima, rabo de elefante. letras construindo palavras que edificam frases que pretendem descrever alguma coisa: "batatinha quando nasce se esparrama pelo chão..." e eu nego, minha nêga. não tem acordo. carbohidratos, hidrocarbonetos, combustando máquinas vivas e inertes. gases de grande efeito estufam panças e atmosferas. parecem mas não são, cabeças de melão. Rá!

23.7.08


18.7.08

Diálogo

- E aí, tudo Deleuze?
- Mais ou menos, a vida anda meio Spinoza, ultimamente.
- Todos temos um período Negri.
- Pois é. Ando muito Confúcio.
- Reaja! É preciso Focault em coisas positivas.
- É verdade. Em Kant a gente não faz isso, é difícil.
- Pois é. Descartes as negativas e vá em frente. Eu estou parando de fumar e tem sido Freud!
- Noam me Comte! Marx Deleuze!
- É. Mas quando bebo um Schopenhauer me dá uma vontade de Pitágoras!
- Resista! Sartre fora disso!
- Tô resistindo mas a tentação de Voltaire é enorme!
- Mas enfrente! Sinta o Agostinho de vitória de conseguir parar!
- Tá certo. Bom, vou indo, comer um Platão de comida e tirar uma Sêneca.

(Ins-pirado na Carrapatanga)

28.6.08

Bandeiras



1984


Certa vez um amigo me falou que a bandeira é uma das invenções mais infelizes da humanidade. Foi criada para fazer sinais à distancia e logo passou a ter cores diferentes com o objetivo de identificar um grupo, demarcar sua área, afastar os desconhecidos e possíveis invasores. Em consequência logo surgiram as cercas, as fronteiras e os países.

Transformou-se num estandarte de guerra e, com o tempo, passou a ser um símbolo daquilo pelo qual devemos nos mobilizar, empenhar nossas esforços e até a vida.

Esse amigo é médico e dono de um hospital, na região metropolitana de Buenos Aires, onde eram regularmente abandonadas, durante a ditadura militar, algumas crianças pequenas, filhas de pais "desaparecidos". Ele e sua esposa adotaram duas meninas, que agora devem estar entre as netas em busca de suas avós da Praça de Maio.

12.6.08

Nada.

Nada tenho a dizer, mas mesmo assim tenho vontade de escrever.

Há pouco li o trigo cortado, que desnuda melhor a solidão. "Lindamente triste" - ou "tristemente lindo", como disse certa vez uma incerta criatura.

Pronto: escrevi. Matei a vontade que agora jaz aqui, antes do ponto final.

7.6.08

Tome ciência


Escrevo de vez em quântico, para enfraquecer as interações entre as partículas nunca elementares, tal qual se sabe.

Como eu já disse por aí, não quero ser João - mal me ouviste. Nem lembro do filme. Irrelevante, pois.



Solar.
.
.
Também relativizo restritamente algumas palavras em alemão:
Tinha ein stein no meio do caminho.
No meio do caminho tinha ein stein.

Circunstancialmente, prossigo: fui cortar uma pizza em duas partes
e tinha uma azeitona com caroço no caminho da faca.

No meio do caminho tinha uma azeitona
tinha uma azeitona no meio do caminho
tinha uma azeitona
eu gosto de azeitonas e gostei do caminho
peguei a azeitona com os dedos e a coloquei na boca
onde tinha uma azeitona no meio do caminho ficou uma marca
cortei a pizza e ela sumiu
nunca esquecerei desse acontecimento
tinha uma azeitona no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma azeitona

Tome sem medo. É apenas um placebo.

6.6.08

Yeda, pede prá sair!

Quem diria que, um dia, eu diria: viva a polícia federal!

2.6.08

Eu quero ouvir um eco!

Então os Caiapós tocaram o facão no engenheiro. Índio é racista: não gosta de branco! Acho que se pudessem, atravessariam o oceano com uma frota de canoas e invadiriam a zoropa e matariam todo o mundo prá buscar espelhos, uísque, açúcar e outras coisas "legais". Índio pode tá "aculturado", domesticado, mas ainda é bicho que reaje, né? Tipo gato que tasca a unha no dono, cachorro que morde o dono quando mexem no osso dele, coisa de animal! E tem essa complicação da ministra que saiu porque não conseguia dar um jeito no madeiramento e que foi substituída pelo cara que vai tentar controlar o desarvoramento lá da amazônia. E tem o enxôfre que a gente respira 20 vezes mais do que na zoropa, que sai do canos dos veículos movidos por motores de combustão interna consumidores de diesel. Quem falou isso foi o Mink, esse bicho anfíbio. Diesel é o sobrenome do alemão que inventou o motor. Motor é legal, né? Trabalha prá gente! E agora tem o biodiesel, da cana e tal. Mas biodiesel não é sobrenome. E tem a tal de usina nuclear! Isso é o máximo! Olha o nome: "usina nuclear de Angra"! Angra, enseada, marina. Nuclear! Faz a gente encher o peito de orgulho! Maior barato! Tá certo que foi caro prá piriquita (isso é outro papo) mas dá o maior cartaz! E nem estraga nada, pois não precisa plantar, queimar, não sai fumaça. Só energia. E é igual a M vezes C ao quadrado, como disse o véio aquele, da língua de fora. Energia se transforma em matéria, e vice-versa, e versa-vice, na velocidade da luz e coisa e tal. Grita aí, no abismo, que eu quero ouvir o eco!

1.6.08

estou na margem. caminho na areia seca, terra miúda e clara. as lembranças ficam na água fria, boiando. afasto-me da margem e o vento e o sol retiram de mim cada gota de água. meu pensamento é flutuante e agora sou um pouco terra, um pouco vento e muito sol. não há mais vácuo mas não digo nada. não quero ouvir o que eu tenho a dizer. escrevo. sigo caminhando rápido mas nem percebo. pensamentos flutuantes. há tempos sei que reuniser é a busca de criaturar o novo vivo. estou quente de sol. gotas de água brotam em minha pele. mais água que se vai. sigo em frente. não olho para trás. vento. sede de reuniser.

31.5.08



Verbo margear conjugado em maio 2008

As Portas da Percepção

"Mas o homem que vem de cruzar de novo a Porta da Muralha jamais será igual ao que partira para essa viagem. Será, por diante, mais sábio, embora menos arraigado em suas convicções, mais feliz, ainda que menos satisfeito consigo mesmo, mais humilde em concordar com sua própria ignorância, embora esteja em melhores condições para compreender a afinidade entre as palavras e as coisas, entre o raciocínio sistemático e o insondável mistério que ele procura, sempre em vão, compreender." Aldous Huxley

29.5.08

e eu continuo escrevendo porque falar no vazio é inócuo. o vácuo esconde as palavras que eu falo e isso é bom. uma palavra dita quase sempre carrega consigo alguma sujeira do ego, o senhor da mágoa e do orgulho. as lembranças são muitas, são belas e estão todas vivas. elas flutuarão para sempre em minha superfície e eu as aprecio assim, boiando. a maré está me levando para a margem, agora, e quase não flutuo. sou como um barco encalhando na areia rasa. ergo-me e a água fria me deixa aos poucos, pele abaixo. sinto agora o vento e o calor do sol. agora sou um pouco água, um pouco vento, um pouco sol.

28.5.08

Olhos

Esses olhos! Eu somente vira olhos assim no cinema. Quando os olho é como ver um barco a remos sumindo na neblina de um lago com águas imóveis. Eles trazem algo de muito longe, algo que não sei descrever. E levam de mim alguma coisa que também não sei o que é. Posso apenas sentir o movimento, como o do barco a remos que desaparece na névoa. Há algo de ausência no olhar desses olhos. Algo que me pertence e que não posso tocar. E assim toco o resto todo, mergulho na densidade do olhar, sem jamais alcançar o fundo. Vivo em busca do que esses olhos infinitos prometem.

26.5.08

O dia que não acabou

Quando abriu os olhos sua boca estava fechada, as mãos e a mente abrindo-se, lentamente despertando na consciência de mais um dia maravilhoso de vida. Nesta manhã não recordara sonho algum. Gostava de despertar no meio de um sonho, pois isso sempre lhe inspirava os pensamentos do dia, criava alvos, motivos. Quando não acontecia assim, ficava ansioso para sonhar acordado. Olhou preguiçosamente para o criado mudo que prontamente mostrou-lhe, em silêncio – obviamente, que eram 8 horas da manhã. Se todos os criados da casa fossem discretos como aquele, seria muito chato passar os dias ali, pensou – e esse foi o primeiro e estranho pensamento que teve desperto. A claridade, portanto, já havia expulsado a noite há mais de duas horas, calculou, na seqüência do segundo pensamento. Ele previa que este seria um dia especial e suas ações deveriam ser cuidadosas. Já estava antevendo o momento em que, lá pelo meio da tarde, estaria enfrentando algum novo desafio, alguma prova, mais um teste aos seus sentidos e a sua capacidade de autocontrolar-se. Hoje, a coisa assumiria dimensões incomparáveis a todas as situações semelhantes que já havia enfrentado anteriormente. Subitamente sua mente cumpriu o ciclo do devaneio e saltou abruptamente para frente, até o momento presente, tão distante do despertar que nem parecia pertencer ao mesmo dia. Estava pendurado pela perna esquerda, de cabeça para baixo e olhando o trânsito se resolvendo aos poucos, com a dificuldade de sempre, vinte andares abaixo de seus olhos arregalados. Balançava e queria gritar, mas alguma coisa impedia – e isso o agoniava ainda mais. Queria pedir ajuda, chamar as pessoas lá em baixo, mas as palavras não saíam. Sabia que seria difícil, mas jamais imaginara correr o risco de agora. Nada do que estava acontecendo se encaixava no que esperara, e tampouco nas alternativas presumíveis que considerara. O ruído absurdo lá em baixo assumia uma proporção assustadora e o seu silêncio era vítima indefesa do barulho do mundo. Ele precisava ordenar os pensamentos e encontrar uma solução antes que o sol desaparecesse no horizonte. Podia ver a lua cheia no céu azul, balançando atrás de sua perna, como um pêndulo marcando a passagem dos segundos preciosos. Fechou os olhos e viu a imagem dela – a criatura responsável por toda esta loucura. Onde estaria, agora? Quanto tempo passaria até que percebesse o que realmente deveria fazer para catalisar toda essa convergência e tensão? Mas ele era confiante e começou a se acalmar, apesar do tempo que escoava de maneira inexorável. Mais cedo – ou antes: tarde, do que nunca – as peças se encaixariam, mesmo que temporariamente, e a solução duraria para sempre, em seu intervalo de existência. Colocado assim parece complicado mas é tudo muito simples. Acontece e pronto: uma perturbação fugaz e cheia de energia na realidade para, logo em seguida, tudo “voltar ao normal”, naturalmente. Assim é a vida, alternando tempestades e calmarias. Abriu os olhos, fechou a boca impotente e respirou lentamente o ar morno que subia do concreto. Desligou-se do problema e começou a construir devagar um novo caminho possível. Mergulhou tão fundo em seus pensamentos que demorou a perceber as formas e os movimentos suaves na sua frente. Ela estava ali, permitindo espaços e volumes generosos, frestas, atalhos, um clarão de promessa no vão escuro, dia e noite ao mesmo tempo, olhares e vontades... Olhou para ela e percebeu que estava no lugar certo, no momento certo, na cadeira e posição exatas. A única coisa que continuava balançando era o seu pensamento, e ainda faltava muito para o sol se por.
(Vitória/Rio, novembro de 2004)

23.5.08

água fria. lembrei que tinha lido umas coisas do marx, mas fazia tempo. lembrei disso enquanto boiava olhando o céu azul cortado em dois por um rastro branco de pessoas voadoras. na praia os pescadores entravam num barquinho. boiar é bom quando não tem ondas. deveria ter dito alguma coisa sobre a liberdade e a escolha, esse tal de lívre-arbítrio que realmente faz as coisas acontecerem, que é a reação à diferença entre as potencias. pensei nisso. um pensamento passageiro, apenas. tanto faz, agora. pensamento passageiro, como as pessoas voadoras. talvez ainda fale sobre essas coisas, ontem. hoje não dá mais tempo. agora o rastro está se desfazendo. algodão. é a única nuvem no céu azul. os pescadores estão longe, já. eu bóio. sou flutuante.
amanhã assisti o talvez novo ministro do meio- falando sobre o -ambiente. ele tem cabelos compridos e grisalhos. gostei da sua roupa. televisão. vai substituir a marina, parece. ele deve ser um porto natural, uma enseada protegida, esse homem com nome de animal. os pescadores irão atracar seus barcos nele, com certeza. o céu está manchado de branco. tem ventos fortes lá em cima. eu continuo boiando.
estou escrevendo, agora. mesmo flutuante, eu escrevo. aqui é cristalino. eu falo também, agora, mas é como se fosse no vácuo. alguém ouviu o que eu disse, agora? é o vácuo. ele suprime o som. minhas palavras escritas não desaparecem no vazio. e elas bóiam. elas são mais densas que o líquido. eu sou mais denso, também. o céu absorveu o branco com seu azul potente. o sol queimando hidrogênio. não sinto seu calor a não ser nos olhos. a água é fria mas não sinto frio. não dá tempo.

21.5.08

Psiu!

Silêncio!

Basta um coração batendo!

17.5.08

passa tempos

neste instante eu torno real
tua mão abrindo o presente que não dei
teus olhos lendo o poema que não escrevi
teu coração sentindo o amor que não amei
nesta hora eu crio a realidade
teus ouvidos acolhendo sem dúvidas
as palavras delicadas que nunca direi
o beijo no corpo da alma que jamais beijei
depois do agora eu mergulho em meu oceano
estendo a palma ao sol
acalmo minha sede no vinho
e descanso na beira do caminho
e tu vês estrelas e luas
nos céus das noites vazias
escutas sussurros e risos
enquanto desperto nos meus dias
somente hoje eu te invento assim
por pura inspiração e vontade
neste momento és parte da verdade
e depois te dou um fim

fluxo

é
ar
sol
água
vento
sinto
luz
ar
é

sal
areia
passos
respiro
mergulho
esqueço
retorno

lembro
corpo
flutua
solto
olho
céu

10.5.08

A outra Clara

Quando olho para a fotografia lembro de Clara como se fosse hoje.

Ela se entregava à vida como uma gata se entrega ao sol, inebriada pelo calor e sem recear os predadores que a espreitavam das sombras frias ao seu redor. Ela sequer sabia o que era um predador e se deitava assim, lânguida e vagarosamente, sem medo de nada e aguardando pelos prazeres que, imaginava, o mundo tinha a obrigação de lhe trazer. Sob a luz, seus movimentos construíam posições e imagens provocantes, com suas alvas partes explicitamente expostas. Ela era perturbadora e atraente em sua mistura de sensualidade e inocência.

Clara era uma obra de arte cambiante, como se suas formas abrigassem um conteúdo raro e misterioso que complementava perfeitamente o prazer quase proibido que seu corpo prometia. Seu jeito tinha feitiço e eu me perdia nos detalhes de minhas vontades: retirar vagarosamente seus sapatos e as meias, descruzar suas longelíneas pernas, me embriagar em suas carícias, e assim por diante...

Clara queria quebrar as regras e revolucionar sua vida, mas ela própria se aprisionava: só tinha silêncios e poucos sorrisos. Só tinha redemoinhos de pensamentos em torno de si mesma e poucos momentos de águas serenas em sua mente agitada. Só tinha amigos incertos e nenhuma amizade verdadeira. Só tinha meus olhos capazes de tocar no fundo de sua alma, e nenhuma outra alma capaz de receber os seus olhares. Só tinha fantasias e nenhum sonho. Tentava ser o que o mundo não lhe permitia ser - e isso a deixava triste e solitária. Vivia somente no passado e no futuro, sem perceber que tudo acontecia no presente. Ela se deitava na cama e esperava a chegada de um príncipe encantado, que nunca chegava. Clara, no fundo, não sabia o que buscava e se conformava no inconformismo. E eu, ali, sempre por perto, registrando a magia de seus momentos, sem poder fazer parte deles.

Agora Clara está chegando à idade adulta e como não sabe, ainda, desviar-se, a primeira bofetada atinge-lhe em cheio o rosto liso e sem manchas, como uma chicotada vinda do nada estalando a realidade da dor de viver em sua face limpa. Uma pancada seca que se espalha numa ardência crescente e termina por escorrer em lágrimas para seu colo trêmulo. E eu não estou por perto para alcançar-lhe um lenço e confortá-la com meu abraço. Eu suspiro de impotência, enquanto as lágrimas regam sua alma.

Mas a vida é assim mesmo e ela apenas está pagando o preço para aprender a desviar-se, como todo o mundo. Daí para frente ela se entregará de uma forma diferente, com mais leveza, mais sorrisos e mais palavras. Clara se abrirá completamente para a vida e descobrirá a diferença entre a realidade e a ilusão, entre o possível e o inalcançável. Ela saberá, então, que seu futuro será construído somente com a sucessão de seus presentes, um após o outro, e que sua vontade tem mais poder do que as regras que ela mesma escreve. Ele se libertará de tudo que a limitava até agora e será feliz.

Daquele tempo restará apenas uma fotografia na parede dos meus sonhos, que poucas vezes lembrarei de olhar. Clara chegou, como eu sempre soube que chegaria, e eu parti.
fotografia: blog daytrippergirl

8.5.08

Coisa linda!

Conheço uma mulher que acha lindo estar menstruada e essa é uma das coisas mais belas que já vi.

6.5.08

sonho

estranho caminho que sigo sem pensar
seguindo uma luz
lá longe
no horizonte do meu sonho
talvez de um farol
quem sabe
de minha estrela guia
ou
quem dera
do anjo que me conduz
ao despertar da minha fantasia
talvez eu possa te alcançar
luz infinita
e dormir em teu brilho cálido
sem precisar sonhar em te seguir
quem dera possa assim descobrir
ao abrir meus olhos
um outro mundo real
onde eu acorde em mim
sem precisar despertar de ti

2.5.08

Pêndulo



não dormi...
... sonhei sim
adormeti...
...desperteu.
encantu...
...em mim

1.5.08







Quem sou eu, a cada dia distinto, irreconhecível de mim mesmo?

30.4.08

No início pensei que era uma borboleta. Ela veio com a brisa e pousou perto de mim. Então começou a falar a língua das fadas e eu sorri. A brisa se foi e ela ficou. Esta é a história do meu encantamento.

ave rara

sou pássaro
passo raso
faço um arco
sobre teu corpo
raspo tua asa
e tua alma rara
alça vôo
voa para o alto
cada vez mais
alto
e acima
para perto de mim

28.4.08

O vazio, o farol e o cão

Tudo está vazio, há silêncios por todos os lados e um céu escuro cheio de nuvens. Numa fresta surge a lua, pouco mais que um fio crescente, logo escondida pelo movimento do céu. O banco vazio, a noite vazia e eu aqui, cheio de perguntas. Olho o farol e resolvo sentar no banco junto ao acesso à praia, para olhar o ritmo tranqüilo e circular da sua luz, que me atrai como um imã. O farol é calmo, em seu movimento contínuo. Assim também é o cão de pêlo claro que se aproxima sem receios e atende meu chamado amistoso. Ele fareja o saco de supermercado em que coloquei o par de tênis para andar descalço na praia e se acomoda junto a mim, receptivo aos meus carinhos. O cão é direto na sinceridade de suas intenções. Eu o acaricio e ele me olha com o olhar mais cristalino do universo pois sabe que meu sentimento é verdadeiro, assim como o dele. Dou-me conta como é fácil estabelecer um relacionamento sólido através do afeto, sem envolver razão alguma no processo. Criamos, nós dois, um momento especial, na noite vazia.
É um cachorro grande e forte, e muita gente teria medo de se aproximar de um bicho assim. Ele encosta a cabeça em meu colo e põe a pata em minha perna, num gesto surpreendentemente amoroso. Seu focinho é cheio de cicatrizes. O cão é tranqüilo, como o farol, como a noite e como eu, dali em diante. Depois de alguns afagos ele se afasta alguns passos e deita como um guardião silencioso, como um companheiro fiel de uma vida inteira. Esse cachorrão tem um olhar bondoso e altivo. Vou até ele e me despeço, afagando sua cabeça. Ele me acompanha por um quarteirão e ao chegarmos na esquina atrás do hotel um outro cão late desafiadoramente em nossa direção. Meu novo velho amigo apenas dirige um rápido olhar para o autor do latido e o desconsidera. Minha impressão é que, nitidamente, o outro é um velho conhecido que ele ignora por alguma razão canina. Ele segue em frente e dobra a esquina seguinte, sem sequer olhar para trás.
Resta a rua deserta, cheia de pontas sob meus passos nus, pípedos em nada paralelos que me espetam a caminhada. Mas a noite, agora, já não está mais completamente vazia. Percebo que minha mente está cheia de significados, após o farol com sua luz significante e após o cão carinhoso e amigo. Vou desviando, na pouca claridade dos postes, das desagradáveis saliências do calçamento irregular no caminho até a casa, poucas quadras adiante, massageando os pés e a alma.
Amanhã, pela manhã, correrei um pouco na praia, quase vazia de gente e repleta de aves marinhas, até além do farol, e caminharei outro tanto, na volta. Amanhã, encontrarei um pescador apanhando pequenos marisquinhos na beira-mar, para prepará-los com ovos e fazer pastéis, segundo me responderá. Verei as marcas que uma das aves deixará na areia úmida, quando alçar vôo para fugir de meus passos próximos. Duas marcas mais rasas e outras duas mais profundas, onde abandonará o chão rumo ao céu cheio de nuvens finas prenunciando o sol que em seguida me marcará a pele. Na areia, por todo o lado, verei as pegadas nítidas de um cachorro grande, mas não me ocorrerá que poderão ser do cão da noite vazia do farol.
Amanhã esquecerei o vazio, o farol e o cão, mas em algum lugar dentro de mim, no cantinho dos significados, para sempre eles estarão guardados.
em 30 out 2003

23.4.08

Calango com ascendente em Guaxinin!

E vocês aí, na nave-mãe, tentando controlar as naves-filhas sem sequer olhar pro céu! São controladores de vôo de meia tigela - isso sim! Lá fora, atrás dessa janela trapezoidal de cristalvidro prá lá de temperado, estão elas, luzindo seus milhares de anos-luz! São buracos na cortina da noite da nossa ignorância. E que belos nomes elas tem: Aldebaran, Rigel, Denébola ...! O mundo precisa saber que o verdadeiro zodíaco tem treze constelações e que os signos são outros? Acho que não. Nós dois - eu e outra criatura aí (que é genial, é claro), descobrimos ou inventamos isso, assim, numa natural e expansiva manifestação de nossos transbordamentos interiores e incontidos. Mas e daí? Alguém apresentou o zodíaco de doze e deu certo! Nós nem queremos que o nosso seja conhecido, não mesmo, nã-nã-não - somos modestos. Prá que? Deixa assim. Não queremos controlar ou deixar de ter surpresas. Umas das graças de viver é surpreender-se a cada dia, sem dúvida. E outra é ter dúvidas...

Calango, ascendente em Guaxinin, lua em Capivara! Já pensou? Imagina aí! E o meu marte em Teiú? Que tal? Sai da frente! Pode vir com vênus em Tracajá que eu dou jeito! Sou de Quero-Quero, com ascendente em Libélula! E nós dois? Cúspide, meio-céu, tudo certinho! Eita sinastria boa Pacaray! (recuerdos...) Só poderia dar nisso: descoberta ou invenção! Se a gente não fosse o que a gente é, a gente seria algo diferente, com certeza! Está tudo escrito nas estrelas - e com tinta fosforescente!

E para os de Bugio com ascendente em Anta, com aspectos de oposição e quadraturas espinhosas, eu ajudo dizendo que o décimo-terceiro signo é o Cerumano! Olhem pro céu e achem a constelação: é facinho! Tá na cara do mundo! E nem dói o pescoço, pois tá em 15 graus dorizonte, no é pinóquio de outono do é mistério sul.

Passa a régua, naves fora, segura a minha mão e aperta o botão da contagem regressiva! Chegou a hora da desastrologia!

18.4.08

Libélulas na beira do mar.

As líbélulas vão na beira do mar para morrer.

Descobri isso na semana passada, na praia. É estranhamente agradável estar só numa praia imensa e vazia. É possível observar coisas que passam despercebidas quando se está no meio do turbilhão se seres humanos.

Sempre vi libélulas na beira do mar, mortas, sendo devoradas por pequenos seres da areia molhada. Mas desta vez notei várias libélulas ainda vivas pousadas na areia, perto da água. Inicialmente pensei que estariam ali pelo calor da areia, o que era um risco grande por ficarem ao alcance das línguas das ondas e dos tais micro-crustáceos carnívoros. Meu raciocínio já estava construindo uma hipótese de mecanismo de seleção natural, eliminação de mais fracos e coisas assim, quando percebi que as libélulas estavam vivas, mas em fase terminal. Todas voltadas para o mar e imóveis. Tomei uma delas na mão e a coloquei pousada em meu dedo: ela abriu as asas como se fosse voar mas não o fez. Depois tentou e foi para o chão. Estava no fim.

Que propósito as trazia ali? O mar sempre me atraiu como um local de renascimento, de revigoração de minhas forças interiores. Sempre tive fascínio pelo oceano e mantenho íntimas relações com ele. Para mim é um outro universo, pulsante de vida e de belezas, onde mergulho fundo em busca de sensações e de novas experiências. É um lugar onde gosto de estar sozinho, para pensar e sentir que estou vivo. Teriam as libélulas uma atração semelhante? Estariam elas em busca de um renascimento, também?

Hoje pesquisei na net e soube que as libélulas vivem aproximadamente dois meses nessa forma alada, após suas inúmeras metamorfoses anteriores, que podem durar quase cinco anos. São dois meses de intensa vida e não me arrisco a afirmar que seja um tempo curto. Talvez elas venham para o mar para sua derradeira metamorfose. Ou talvez apenas saibam algo que não sabemos sobre os mistérios da morte e do mar.